terça-feira, 9 de dezembro de 2014

    Meus sapatos estavam encharcados de água salgada e não é mesmo uma coisa muito inteligente andar de sapato assim na praia, mas não conseguia ligar muito pra isso no momento. Eu juro por Deus que estava tentando me concentrar em me sentir vivo e tudo mas só sentia mesmo o puta frio que tava fazendo. Não parava de tremer e fazer aquele barulho engraçado de dentes uns nos outros. Sempre me imaginava como uma daquelas dentaduras de brinquedo que aparecem nos desenhos e é só dar corda e elas andam pelos lugares. Só impulsionadas por aquela bateção de dente. Eu me sentia mesmo tão vivo quanto uma dentadura de plástico andando só porque deram corda. Pensei com saudade no edredom que tinha largado embolado em cima da cama antes de sair.  
    Mas valia mesmo ir ali, mesmo que fosse frio de doer, por causa do cheiro de sal e das cores. Não consigo pintar nada de jeito nenhum mas eu realmente gosto de cores. Só não consigo pegar elas na mão, assim, e jogar num papel. E elas mudam rápido, ainda mais no Oceano que não para de se mexer e era muito fácil perder alguma das cores se você se distraísse um minutinho só que fosse e não visse pra onde tinha ido. 
    Ela continuava em silêncio o tempo inteiro. De cabeça baixa, olhando o splashsplash que a bota dela fazia quando a água vinha. Queria mesmo saber o que que ela tava pensando, mas nunca dava pra saber porque ela era teimosa e gostava demais de ouvir splashes pra abrir a boca e falar qualquer coisa. Eu sou egocêntrico pra caramba, sou mesmo. Sou tanto que fico chateado da pessoa não me contar o que tá pensando. Mesmo se fosse uma coisa chata, eu ia querer saber. Daí ninguém sabe porque eu faço um monte de perguntas e a pessoa acha de verdade que eu sou muito simpático e atencioso mas é só que eu sou um tanto egocêntrico e fico querendo sempre saber tudo. Mesmo quando é coisa chata. Eu não insisto, porque não quero ser um pé no saco, se a pessoa não quiser falar. Mas que eu fico chateado, fico. Vai ver ela era egocêntrica que nem eu mas de um jeito diferente, em que não acha ninguém digno de saber das coisas dela porque é tudo tão precioso e tal, mas presta a maior atenção quando eu começo a falar do idiota do Simas e aquela mania dele de ficar arranhando a carteira com a régua, e de como um dia vou virar pra trás e socar a cara dele. Come as histórias todas que eu conto e fica quieta, como a gente fica depois do almoço quando tá inchado de cheio e vai fazer a sesta. Mas ela ri nas horas certas quase sempre e eu sou egocêntrico então continuo contando tudo mesmo assim.