domingo, 21 de novembro de 2010

Silvia dança melhor que o Fred Astaire


Sabem qual a diferença de um ser humano para uma aranha?

Digo, tirando o óbvio.

"A maioria das espécies de aranhas consiste em animais completamente solitários que vivem e se alimentam sozinhos, espalhados em uma grande área."

Certo, elas são mesmo solitárias.

Mas não é porque elas não gostam de outras aranhas.
É porque elas precisam ser fortes e auto-suficientes. Porque conseguem se virar sozinhas. Porque não querem sufocar nem a elas mesmas nem a ninguém.

Pode ser que tenham seus motivos para não confiar umas nas outras, quem sabe. Pode ser que apenas faça parte de sua natureza.

Pode ser que elas tenham medo.

Mas, em um primeiro momento, elas lidam bem com essa solidão, porque só encontram a si mesmas no silêncio.

Pode-se dizer que elas gostam bastante de silêncio.

Talvez seja uma coisa ruim. Mas é como elas são.

Sei disso porque sou uma Aranha.


E Pessoas? Ah, Pessoas também são solitárias. Elas nascem sozinhas e morrem sozinhas - e, no período entre esses dois acontecimentos, tentam desesperadamente se agarrar a algo. Elas se importam demais com o que outras Pessoas vão pensar delas, pois acreditam precisar umas das outras. Têm até níveis para isso.
Quando se precisa muito de outra pessoa, chamam isso de amor.

Aranhas não entendem esse amor, porque não acham romântico ou bonito precisar do outro. Não, romântico mesmo para uma aranha é não precisar nem um pouco do outro.
Porque então significaria que ela está ali por vontade própria, não por ter medo de ficar sozinha. Que ela está ali porque é livre para decidir, não porque há algo que a prenda.

Pode-se dizer que Aranhas gostam de liberdade.

Pessoas não gostam muito de silêncio, e elas não conseguem ficar sozinhas por muito tempo. Isso faz com que Aranhas tenham vontade de rir - não um riso de deboche. Apenas rir - porque as pessoas lutaram pela liberdade por séculos, mas não conseguiram se libertar umas das outras.

Pessoas são carentes, obsessivas e precisam de muita atenção.

Talvez não seja uma coisa boa. Mas é como elas são.

Sei disso por causa de um menino que conheci. Ele ouvia aranhas.

Assim como você.

Tá, olha só, talvez não haja muitas aranhas que sabem falar. No entanto, também não são muitas as pessoas que ouvem aranhas. Diria que somos igualmente loucos, mas aranhas não ficam loucas. Então deve ser só você mesmo.

Como eu estava dizendo, esse Menino, ele ouvia aranhas. Mas bem mal.

Sei disso porque, após cair graciosamente pela janela dele e bater com tudo no chão, tentando desesperadamente não ser notada, ele me pegou em suas mãos e disse:

"Que bom te ver, achei que nunca mais teria companhia por aqui. "

Eu fiquei aborrecida, já que minha entrada não tinha sido magistralmente discreta como pretendia. Muito aborrecida. Porque estava ali, explorando o mundo sozinha, e de repente uma daquelas Pessoas loucas que normalmente gritavam e corriam quando me viam me prendera entre seus dedos e eu não podia fazer muita coisa.

É, é isso mesmo, não podia fazer muita coisa. Meu veneno é fraco.
Não é algo de que eu me orgulhe, mas eu compenso com toda a minha destreza e agilidade. Haha.

Okay, okay, vou ser sincera com você. A verdadeira razão para o meu aborrecimento era o medo que eu estava sentindo. Desejei ser forte, enorme, e aí eu prenderia o menino, e ele que ficaria com medo e com aquela taquicardia horrorosa.

De qualquer forma, talvez pudesse ser divertido. Não deixava de ser algo novo, e fora por isso que eu saíra daquele vaso de plantas cor de terra e meio rachado, certo?

E tudo isso me levou a responder:

"É, certo, Por que não? Pode ser divertido. Quer dizer, você não me esmagou. E parece ser diferente."

Então, não faço ideia do que ele entendeu, não mesmo, porque a próxima coisa que eu ouvi foi:

"Você não é nojenta, só é sozinha, e eu agora sou sozinho também, talvez possamos ser amigos."

Isso me deixou um tanto confusa, porque eu sabia que não era nojenta. De onde viera aquilo?

Eu hein.

Bom, minha solidão não me incomodava muito - ou assim eu pensava - mas...
...
É. Talvez pudéssemos ser amigos.

E assim começou tudo.

Dias depois, após eu ter caído pela janela mais uma vez, como de costume, ele me contou como se sentira mal por eu não ter aparecido no dia anterior. Disse que tinha medo de ficar sozinho, e não conseguia pensar em mais nada quando não tinha ninguém por perto.

Apesar de não entender aquilo, eu me senti triste. Como podia algo tão bom fazê-lo sofrer daquela maneira?

Pensei que talvez, se ele visse o mundo da minha maneira, se sentisse melhor. Então sugeri que ficasse um tempo sozinho todos os dias, como eu fazia. Achei que assim estaria resolvido, ele veria como o silêncio podia ser maravilhosamente bom, e tudo ficaria bem de novo.

Mas não deu certo.

Sei disso porque ele foi embora. Não sei para onde. Às vezes ainda vou até aquela janela, na esperança de encontrá-lo esperando lá dentro, como nos velhos tempos.

No início eu encontrava o quarto vazio. Agora tem outra Pessoa lá dentro. Um menino pequeno, acho que um filhote ainda - deve ter acabado de sair do ovo. Ele não ouve aranhas.

Me perguntava por que ele foi embora. Me perguntava onde ele deveria estar. Agora não me pergunto mais nada, porque já havia muitas perguntas sem respostas.

Acho que era inevitável.

Afinal, ele era só um menino, e eu era uma aranha só.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Final Feliz

E os soluços cortantes, indiscretos, em meio a olhares de indiferença e passos apressados, misturaram-se aos risos.

Não conseguia parar de rir daquela pobre menina que gostava de pensar que era mais forte do que realmente era.




Mas então sentiu todo o peso da tristeza novamente, e tudo que pôde fazer foi debulhar-se, esvair-se em lágrimas no meio da rua.

Verteu-se em água, escorreu por um bueiro e nunca mais se ouviu falar dela.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Das profundezas da água escura e imunda,

em meio ao cheiro acre do sal misturado aos restos de comida apodrecida, um par de olhos castanho-escuros a encarava.

Podia ver a menina por detrás deles, em parte, se apertasse bem seus olhos cansados e os forçasse a prestar atenção. Às vezes perdia a concentração e tudo que conseguia ver era o nada cor de piche, levemente abalado pelas ondas suaves, em volta dela.

Talvez outrora houvesse peixes ali, peixes gordos e arrogantes, de cores bonitas, como os que vira na vez em que colara o nariz franzino contra a vitrine da loja de animais, sem coragem de adentrá-la. E talvez houvesse um mercado, com gente vendendo peixe, gente de todos os lugares, com cheiro e cor de café, gengibre, canela, tudo misturado. Ou até gente com cheiro e cara de peixe, os olhões esbugalhados e parados das senhoras gordas e arrogantes como os animais que tinham ido comprar.

Agora era tudo cinzento, e a neblina, permanente. Os cachorros esqueléticos faziam parte da paisagem, e se encarregavam de manter as latas de lixo reviradas e seu conteúdo espalhado por todos os cantos. Havia ratazanas dividindo o espaço com eles, bichos enormes de olhos malvados e maiores que seus dois punhos juntos.
Ouvia os passinhos curtos delas batendo no metal, cadenciadamente.

Estava tão frio. Era ela mesma a noite, com seus ossos de gelo.
Esfrega uma mão na outra, soprando-as. Um fiapinho de fumaça escapa por entre seus lábios arroxeados, e sobe aos céus, um arremedo de vida contrastando contra o beco escuro em que se enfiara.

A menina volta os olhos inexpressivos para a ratazana que se aproximara sorrateiramente. Os bigodes retorcidos se agitam no ar, impacientemente, e lhe faltam dois dedos da pata esquerda.
Antes tinha medo delas. Até descobrir que se ficasse bem, mas bem quieta, não fariam nada; estavam famintas, em busca de um pouco de diversão e a oportunidade de arrancar mais pedaços umas das outras.

Não sentia mais seus dedos, nem frio, sentia nada. Era bom. Não queria mais sentir...
A criança prende a respiração, ansiosa e desconfortável, quando a situação se estende por vários e longos minutos. Aquela estava encarando-a com os olhinhos embebidos em sangue brilhantes de vívido interesse.

Havia aquela sensação fraca e entorpecida de medo, mas duvidava que pudesse se mover.
Estava com sono. Queria dormir. Não havia som nenhum, era... engraçado...

Até a vozinha esganiçada romper o silêncio.

"Sabe caçar baleias?"