domingo, 23 de outubro de 2011

Boletim de Ocorrências

Ali estavam as dolorosas marcas do assassínio, provas inquestionáveis de um crime passional e sangrento, tão nítidas que seria impossível que passassem despercebidas por muito tempo.

Pensou que deveria ser presa. Provavelmente seria.

Quanto tempo até sua condenação? Massacrada por um júri popular, pela opinião pública nacional - talvez até mesmo a internacional - e eternamente atormentada pela própria consciência, muito embora... crimes como aquele acontecessem todos os dias, refletiu hesitante.

Sim, era verdade, aconteciam todos os dias, mas não por parte dela, não por mãos macias e pálidas - e jovens - como as dela.

Seria uma escândalo. Os olhares acusadores, as bocas salivando de prazer por terem uma história assim para contar. A hipocrisia.

Quem a delataria?

Porque eventualmente o fariam, era questão de dias. Talvez já o houvessem feito. Suspirou. A identidade do traidor não importava, decidiu por fim. Aquela narrativa escabrosa não precisava de mais detalhes.

Sentou o corpo retesado e estranhamente aprumado na poltrona diante da porta. O sangue brotava das bordas das unhas roídas até o sabugo, mas ela nem mesmo percebeu. Tinha o olhar colado à porta, esperando que ela fosse posta abaixo a qualquer momento por oficiais de justiça, na expectativa de ouvir botas pesadas estalando a madeira, vozes grossas e imperativas.

O sangue brotava de seus olhos, escorria pelo rosto contorcido de ansiedade. Cortes abriam-se no pescoço alvo, nas pernas comportadamente cruzadas, no peito que subia e descia de forma irregular e frenética.

E ela nem mesmo percebia, os olhos arregalados, insones, vidrados.

Quando, passados alguns dias, o senhorio invadiu o aposento depois de não ter obtido resposta às batidas insistentes, encontrou apenas uma enorme poça de sangue.