segunda-feira, 14 de março de 2011

Lembram da sombra, mas

A menina lançou um olhar triste e resignado para o que sobrara daquele ser outrora tão cheio de vida, com um nó na garganta.

Não havia lágrimas; Os olhos secos, arregalados e sem vida olhavam fixamente para o túmulo daquela a quem cumprimentava todos os dias com um sorriso e algumas palavras alegres e sem sentido, palavras soltas.

Mas ela não achava ruim, aquela conversa mole; em quase 3 anos, não houvera uma manhã sequer em que a encontrasse de mau humor.

Dançara, chorara, cantara e rira na frente dela.

Ela não dançava junto, mas não reclamava. Não sabia cantar e não tinha muito a dizer, mas ouvia com toda a delicadeza do mundo.

Não se abalava, era sempre calma, sempre sensata.



"Eles a mataram", murmurou por fim para o menino a seu lado.



Ele ficou em silêncio por uns instantes, gravemente, e seus olhos seguiram os da menina. Por fim, perguntou em um fiapo de voz:

"Quando foi isso?"

"No Carnaval."

"Entendo."

"Um dia eu saí de casa, e-"

A voz dela falhou. Estava inconsolável.

Ele balançou a cabeça, indignado.

"Isso era tudo o que havia restado dela."




O menino sorriu meio sem graça, e acrescentou, em tom de confissão - a culpa estampada no rosto aflito:

"Se você não tivesse falado, eu nem haveria percebido."

"Como n-?"
Sua voz estava trêmula de incredulidade diante da frieza e insensibilidade do amigo.

Ele deu de ombros, como que se desculpando.




Calaram-se e puseram-se a observar a cova imunda.



"Então é por isso que aqui tinha sombra", ele constatou, rompendo o silêncio.


Ela esboçou um sorriso, hesitante.



"É, vou sentir falta dela. Era uma boa árvore."


Deram as costas ao canteiro e foram embora.

Lembram da sombra, mas não lembram da árvore